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A problemática da maternidade não desejada, do sofrimento daí resultante para os progenitores que, muitas vezes, se vêm obrigados a dar para adopção uma criança, sem dar conta do seu futuro, é um tema que sempre esteve presente em todas as sociedades.
Sentimentos como o medo ou vergonha de assumir perante a família ou sociedade comportamentos que esta pode reprovar, induzem, por vezes, à tomada de decisões marcantes nas suas vidas. Estas opções podem passar pela interrupção voluntária da gravidez, adopção ou até abandono, por vezes com desfecho trágico para os intervenientes.
O Crime do Padre Amaro aborda esta problemática, sendo, por isso, uma obra intemporal e bastante actualizada. No romance está bem patente toda a ansiedade de Amaro e Amélia, verificável nas seguintes passagens retiradas do mesmo:
Tomada de consciência da gravidez e o desespero
“… Amaro abria abruptamente a porta do escritório, fechou-a de repelão e, sem dar os bons-dias ao colega, exclamou:
- A rapariga está grávida!
O cónego que estava escrevendo, caiu como uma massa fulminada para as costas da cadeira:
- Que me diz você?
- Grávida!
E no silêncio que se fez o soalho gemia sob os passeios furiosos do pároco da janela para a estante.
- Está você certo disso? - perguntou enfim o cónego com pavor.
- Certíssimo! A mulher já andava desconfiada. Já não fazia senão chorar… Mas agora é certo… As mulheres conhecem, não se enganam. Há todas as provas… Que hei-de fazer, Padre-Mestre? …. ”
(Página 271)
O sentimento de não ser aceite pela sociedade e família
“…. – Imagine você o escândalo! A mãe, a vizinha …. E se suspeitam de mim?... Estou perdido… Eu não quero saber, eu fujo!
O cónego coçava estupidamente o cachaço, com o beiço caído como uma tromba. Representavam-se-lhe já os gritos em casa, a noite do parto, a S. Joaneira eternamente em lágrimas, toda a sua tranquilidade extinta para sempre…”
(Página 271)
A tentativa de resolução da situação
“ … - Mas então que quer você? – disse o cónego. - Não quer decerto que se dê uma droga à rapariga, que a arrase…
Amaro encolheu os ombros, impaciente com aquela ideia insensata. O padre-mestre, positivamente, estava divagando…”
“ - De quantos meses está ela?
-De quantos meses? Está de agora, está de um mês…
- Então é casá-la! – Exclamou o cónego com explosão. - Então é casá-la com o escrevente!
O padre Amaro deu um pulo:
- Com diabos, tem razão! É de mestre! … “
(Página 272)
“… Foi em casa do sineiro, daí a dias, que Amaro participou a Amélia o plano do padre-mestre. Preparou-a, revelando-lhe primeiro que o cónego Dias sabia de tudo…”
“… E agora escuta, filha. Não te aflijas com o que te vou dizer, mas é necessário, é a nossa salvação…
Às primeiras palavras, porém, do casamento com o escrevente, Amélia indignou-se com espalhafato.
- Nunca, antes morrer! …”
(Página 274)
A ponderação de uma solução
“ … Amélia recebia estas notícias com desconsolação. Depois das primeiras páginas, a irremediável necessidade impusera-se-lhe, muito forte. Por fim, que lhe restava? Daí a dois ou três meses com aquele seu desgraçado corpo de cinta fina e quadris estreitos, não poderia esconder o seu estado. E que faria então? Fugir de casa, ir como a filha do Tio Cegonha para Lisboa, ser espancada no Bairro Alto pelos marujos ingleses, ou como a Joaninha Gomes, que fora amiga do padre Abílio, levar pela cara os ratos mortos que lhe atiravam os soldados? Não. Então, tinha de casar…
Depois vir-lhe-ia um menino ao fim dos sete meses (era tão frequente!) legitimado pelo sacramento, pela lei e por Deus Nosso Senhor… E o seu filho teria um papá, receberia uma educação, não seria um enjeitado…”
(Página 277)
A consumação de uma solução
“… - Eu pensei que o Sr. Pároco tinha arranjado tudo… Que se ia dar a criança a criar fora da terra… - Está claro, está claro – interrompeu o pároco com impaciência. – Se a criança nascer viva, é evidente que se há-de dar a criar, e que há-de ser fora da terra… Mas aí é que está! Quem há-de ser a ama? É isso que eu quero que você me arranje. Vai sendo tempo…”
“ A Dionísia chegou-se ao pároco, e baixando a voz: - Ai, menino, eu não gosto de acusar ninguém. Mas, está provado, é uma tecedeira de anjos! (…) – O que é isso? Que significa isso? – perguntou o pároco. A Dionísia gaguejou-lhe uma explicação. Eram mulheres que recebiam crianças a criar
(Página 232)
O fim
“ Meu caro Padre-Mestre:
Treme-me a mão ao escrever estas linhas. A infeliz morreu. Eu não posso, bem vê, e vou-me embora, por se aqui ficasse estalava-me o coração. Sua e Excelentíssima Irmã lá estará tratando do enterro… Eu, como compreende, não posso. Muito lhe agradeço tudo… Até um dia, se Deus quiser que nos tornemos a ver. Por mim conto ir para longe, para alguma pobre paróquia de pastores, acabar meus dias nas lágrimas, na meditação e na penitência. Console como puder a desgraça da mãe. Nunca me esquecerei do que lhe devo, enquanto tiver um sopro de vida. E adeus que nem sei onde tenho a cabeça.
Seu amigo do C.
Amaro Vieira
P.S. – A criança morreu também, já se enterrou. "
(Página 359)
Fontes:
Eça de Queirós esteve em Leiria cerca de um ano, reduzido período de tempo, mas as referências ao espaço citadino e arredores são uma constante na sua obra O Crime do Padre Amaro. Se o espaço físico figura na obra de forma abundante, o espaço social não é menos retratado. O romance O Crime do Padre Amaro mostra as relações existentes entre as várias personagens que habitam determinados espaços. Como em qualquer romance, o autor exprime aquilo que é real, em termos de espaço físico e nas relações sociais, introduzindo neles a ficção inerente às vivências do escritor. A referência a lugares ou personagens identificáveis pelo leitor cria um “efeito real”, como que tornando as personagens e locais verdadeiros, aumentando assim, o interesse do leitor pela obra.
Voltando à obra O Crime do Padre Amaro, a situação é exemplar. Qualquer leiriense que inicie a leitura identifica inúmeros espaços e personagens, ficando com a percepção de uma vivência efectiva da cena.
O espaço citadino é o mais valorizado e é onde se passa a maior parte da acção. Os locais são facilmente identificáveis: Torre Sineira, Sé, Administração do concelho (edifício no Largo da Sé), Botica do Carlos (Farmácia Paiva), casa da S. Joaneira (Casa da Travessa da Tipografia), Praça (arcadas), Rossio e Alameda Velha (Marachão).
O espaço rural é muito variado e dificilmente identificável. Dulcelina Santos organiza-os em quatro grupos:
1. As entradas e saídas da cidade, com traços identificáveis actualmente: “Estrada da Figueira com a Ponte Velha que dava para a Alameda Velha (Marachão); a estrada dos Marrazes – a caminho do Morenal; a Estrada de Lisboa – “paisagens de colinas tristes e árvores enfezadas”; o largo do Chafariz (Fonte da Três Bicas) – onde chega a diligência do Chão de Maçãs, com os visitantes e o correio da tarde (Mala-posta).”
2. “Com o evoluir da acção, Eça leva-nos para fora da cidade: os encontros de Amélia e Amaro na Quinta de D. Maria, as idas ao Morenal, os passeios pelo Atalho da Barroca e Caminho de Sobros e as passagens por Cortegaça.” Ao longo da sua leitura, o leitor é induzido para um cenário localizado na direcção do mar (Barosa?) e, por outro lado, para locais mais interiores como Cortes, Marrazes ou Pousos.
3. A Praia da Vieira é lugar de tradição para “ir a banhos”. “Enquanto uns saboreiam regaladamente esse hábito burguês, Amélia e Amaro sofrem dramaticamente o exílio de Amélia na Quinta da Ricoça, a cerca de meia légua da cidade, perto dos Poiais para o lado da Barrosa”. Segundo Dulcelina Santos, a toponímia, com excepção da Praia da Vieira, continua a baralhar-nos. Parece haver uma identificação com a Barosa, não só pelas suas descrições e distâncias, mas pela toponímia Barrosa.”
4. “Um conjunto de lugares mais distantes da cidade e menos ligados à acção, perfeitamente localizáveis pela coincidência da toponímia: freguesia de Amor e de Santa Catarina, Alcobaça, Pombal e Ourém. A propósito de Santa Catarina (supostamente “da Serra”), onde o Barão de Salgueiro tinha uma quinta e uma casa apalaçada (ainda existe no lugar a “Quinta do Salgueiro”), Eça faz dizer ao Padre Natário, comentando “o pecado que vai pelo mundo”: “Mas a freguesia de Santa Catarina era a pior! As mulheres casadas tinham perdido todo o escrúpulo – piores que cabras”.
Confirma-se que a referência a espaços e ambientes identificáveis no romance é muito superior aos não identificáveis. Os identificáveis trazem realismo à obra e favorecem uma visão da cidade, levando o leitor a imaginar a acção. Os espaços não identificáveis, ou de difícil identificação, são aqueles em que a intriga e o drama são maiores, levando o leitor a sentir compaixão, vergonha, ódio e revolta. Eça terá aqui aliado a realidade à ficção, de modo a que o crime e a tragédia não fossem facilmente associados a um local preciso. Terá sido intencional segundo Dulcelina Santos. Afirma ela: “Não poderia ser de outro modo, pois, se o fosse, a história aproximar-se-ia de um fait diver, perdendo a dimensão modelar ou arquetípica que distingue todos os grandes romances”.
Fonte:
Passamos a apresentar outro ponto de abordagem da obra de Eça, O Crime do Padre Amaro: o jornalismo.
Fontes:
Ao longo da nossa jornada queirosiana, produzimos vários conteúdos ilustrativos do grande génio de Eça e da sua obra, alguns dos quais foram publicados em formato vídeo. Aqui ficam algumas das cenas cortadas mais divertidas:
Eça de Queirós pronunciou-se, relativamente ao tema político, criticando a desordem que reinava no governo nacional. A seguinte citação queirosiana foi retirada d'O Distrito de Évora, tendo sido publicada no ano de 1867:
"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações."
Navegue na barra abaixo para aceder a um leque de curiosidades queirosianas.
Um anagrama constitui um jogo de palavras que consiste em alterar a ordem das letras de uma expressão para formar uma outra, com algum significado. Tendo esta noção presente é possível gerar o seguinte anagrama:
Foi na cidade de Leiria que, pela pena de Eça de Queirós ao criar O Crime do Padre Amaro, surgiu o primeiro romance realista escrito na língua portuguesa. Foi portanto esta, indiscutivelmente, a cidade-berço da nova Escola Realista em Portugal e consequentemente a cidade que revelou à nação o grande romancista Eça de Queirós. A produção escrita de Eça de Queirós iniciou-se cerca de três anos e meio antes de ter sido empossado no cargo de Administrador do Concelho de Leiria. Apesar da vasta cultura e superior talento que revelava, a verdade é que os trabalhos de Eça, publicados nuns quantos jornais, não obtinham o sucesso esperado.
Seria na tranquilidade da cidade do Lis que Eça encontraria a motivação e condições ideais para escrever o romance que, pela sua temática e técnica realista-naturalista, chocou a sociedade da época através da denúncia da hipocrisia social e religiosa. Tendo tomado posse do cargo de Administrador do Concelho em Leiria a 30 de Julho de 1870, foi também aqui que redigiu, pelo menos em grande parte, a sua primeira obra de ficção, o Mistério da Estrada de Sintra, em colaboração com Ramalho Ortigão e publicada sob a forma de cartas anónimas no Diário de Notícias, entre 24 de Julho e 27 de Setembro de 1870. Foi ainda nesta cidade que, muito provavelmente, Eça de Queirós preparou e redigiu a célebre Conferência "O Realismo como nova expressão da Arte", proferida em Lisboa a 12 de Junho de 1871, 6 dias depois de ter sido exonerado por despacho do cargo que desempenhava em Leiria.
Se podem ainda subsistir nalguns espíritos dúvidas quanto ao local de nascimento biológico do ilustre Eça, a verdade é que, no que concerne à história da literatura portuguesa, se comprova ter-se dado em Leiria o nascimento do grande expoente do realismo português.
Fontes:
Os rumores que nos últimos dias percorreram o país acabam de ser confirmados: o famoso romancista Eça de Queirós nasceu realmente em Leiria.
Aguardamos a chegada à nossa redacção, a qualquer instante, de novos elementos que permitam desenvolver esta notícia realmente extraordinária. Fica atento!
Eça de Queirós
Eça de Queirós no site dos Grandes Portugueses
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